terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Tela em Branco

Tem uma tela em branco na sua frente.
É meia noite e você não sabe com que letra começar.
Na verdade não sabe onde procurar.
Está escuro e as pessoas ainda conversam lá fora.
Precisa se distrair, precisa sair. É o que dizem os amigos.
A página ainda está em branco.
Uma da manhã, já está na cozinha preparando um café.
Não quer dormir, mas pior, não quer sonhar.
Uma caneca, duas, três. Parou de contar aí.
A tela em branco sorri pra você, você não sorri de volta.
Minimiza a tela, escolhe um filme.
Sabe que filme é, já viu algumas vezes.
Baba no travesseiro, não está dormindo.
Não está acordado.
Volta para o bloco de notas.
O filme minimizado continua com suas falas em outro idioma.
Quer coca.
Abre a geladeira, vira o resto da garrafa na caneca.
Coca, café, coquetel molotov de insone.
Duas e meia.
Que nunca passam.
Ouve o guarda noturno resmungar na rua.
Tudo fica bem resmungando.
A falsa ilusão de falar consigo e achar que ninguém mais está escutando.
O barulho do teclado de repente parece ensurdecedor.
Vai acordar o prédio inteiro.
Ouve o porteiro roncar.
Duas e quarenta.
O tempo não passa.
Os olhos ficam pesados, mas o sono nunca vem.
Pega um livro qualquer que você já leu, tenta ler mais uma vez.
Lê a mesma frase quinze vezes, desiste.
Vai fuçar tudo que não precisa.
Fotos que não quer ver.
Palavras que não quer ler.
Mas os olhos pesados seguem.
Ouve o portão abrindo, alguém chegando, alguém rindo.
Um carro que estava parado, dá a partida.
Escuta o barulho do motor por uns trinta segundos, conta no relógio.
Vê o ponteiro dar três voltas completas, até querer jogá-lo na parede.
Vai até o banheiro, lava o rosto.
Agora sim, tchau sono.
Estrala todas as juntas do corpo, se sente um velho.
Vai até a sacada e olha a rua. Nada de novo.
Ninguém.
Todos quietos e dormindo.
Só os cachorros se comunicam.
Porque quando todos dormem, é a vez dos cachorros.
Sempre eles.
Parece que entende o que eles dizem.
Não aguentam ficar presos.
"Nem eu amigos" resmunga.
A falsa ilusão...
Volta para o quarto, deita na cama.
Pega o telefone.
Velha história: verde ou vermelho?
Três horas.
A tela continua em branco.
E o tempo não passou.
Se sufoca com o travesseiro.
Para antes de se sentir mal.
Mais um carro na rua, mais uma risada.
Levanta, encara a tela branca.
Botão vermelho.
Desliga o celular.
Pega o telefone de casa, tenta lembrar o número.
Desliga antes de conseguir.
Duelo de egos.
Sente um vento fresco entrar pela janela.
Nem se dá ao trabalho de olhar a hora.
Pega o violão.
Tenta uma ou duas notas.
Mas o barulho o assusta.
Larga o violão.
Não se aguenta, quatro horas.
Liga a televisão.
Putaria, igreja, compras, putaria, igreja, compras, jornal, bois, putaria, compras, igreja.
Em um canal, a apresentadora mostra um jogo.
Nível difícil.
Bicho de jardim com sete letras.
Aperta o vermelho, a tela apaga.
Logo tem que acordar pra trabalhar.
Mas e se não tiver dormido?
Logo será assim.
Levanta, toma banho, toma café, toma ônibus, toma bronca...
Toma tudo.
Chega em casa, toma banho, toma café...
Até dar meia noite.
Ai tudo para de funcionar.
O sono some.
E a tela continua em branco.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

De repente parecia que eu tinha dormido por uma eternidade. Parecia que o efeito da bebida da noite passada não tinha passado. E que a ressaca me consumia. Tinha um peso em cada um dos meus poros, suados, cansados. A adrenalina ainda pulsava no meu sangue, fazendo ele correr quente por minhas veias. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que estava parado. Eu estava dormindo acordado? Estava acordado enquanto achava que estava dormindo?
Abri os olhos. Uma claridade me cegou por alguns instantes, mas não entendi. Estava escuro quando eu dormi. Quanto tempo eu fiquei na cama? Mas espera, esse não era meu quarto. E definitivamente eu não dormia com pequenos tubos ligados ao meu nariz. Nem respirar doía tanto.
Tentei levantar um braço, mas os poros ainda estava pesados, cheios de suor. E o esforço foi em vão. Meus dedos estava duros e cerrar os punhos parecia uma tarefa de maratonista. Esporte nunca foi meu forte, nem insistir em nada. Desisti.
Pensei em dormir de novo, mas vi que não conseguiria, não agora. Não enquanto não visse de onde vinha toda essa luz.
Minha boca estava seca, sem saliva, com um gosto de ferro. Tentei entender, mas não consegui.
Mas a luz ainda me cegava e eu não entendia nada ainda.
Uns barulhos de ferro sendo cortado surgiram em meus ouvidos. Mas não vinham de fora, vinham de dentro, bem de dentro. O que me assustou um pouco, um susto sem reação.
Dormi mais um pouco.
Acordei leve, ainda cego por toda aquela luz. Me levantei com todo o cuidado. O suor dos meus poros tinha sumido e eu já podia me mover sem pressa nem peso.
Sai da cama e fui caminhando. Acho que andei em círculos. Me sentei em um sofá e fiquei olhando.
Acho que era noite, pois ninguém andava por ali.
Só um cara deitado em uma cama, tentando se mover, como se andasse sem passo algum. Vi que ele estava doente, ou machucado. E pensei no que deveria ter acontecido com ele.

Então me veio à mente...

O carro...

A chuva...

O caminhão...

E o escuro.