quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

(foto por: Cia de Fotos http://www.flickr.com/photos/ciadefoto/3274486169/ )


A porta entupida de papéis denuncia o tempo que eu estou em inércia. O tempo que eu não saio e me recuso a olhar o mundo. Celular desligado, telefone cortado. O jornal amassado só serve de bola. De notícias já me basta as minhas próprias desgraças.

Estoque de mofo na minha vida. De manhã os raios de sol entram meio tortos no meu quarto. E eu não durmo há semanas. Quer dizer. Eu fecho os olhos e daí em diante eu não sei mais o que é realidade.

O Jack sorri pra mim de dentro de um copo sujo. E eu vejo um maldito maço murcho jogado no chão. É o caos completo. É o meu caos de solidão e insônia maldita.

Eu tento fechar os olhos para ignorar a realidade, mas ela bate em mim feito lutador, que nunca cai. Ligo a televisão e a atualidade me assola como fantasma de fatos que eu nunca vou conseguir acompanhar. Ignorar é mais fácil. Desligo a TV infernal. Mais um dia.

Mais um dia que eu apenas assisto, passo sem viver. Sem teorias concretas, sem fatos, sem hipóteses. Não, de hipóteses eu estou cheio. Taça quebrada de vinho no chão. Lembrança da última noite que esse apartamento viu alguém. Eu não me conto, não me incluo, eu não sou ninguém. Já deixei de viver, de viver me basta minhas teorias falidas, meus esboços.

Procuro por mais um cigarro esquecido. Bolso da calça jogada no banheiro. Meio maço, dez amigos pra me matarem aos poucos. Sento na sacada. Aperto o peito, ele me aperta. Meu dedo aperta o isqueiro, uma pequena chama arde e eu trago bem fundo. Sinto a fumaça no peito, cantarolo uma pequena canção que não me recordo o nome, solto a fumaça. Deixo os olhos arderem ao entrarem em contato com ela. A dor torna tudo real não é mesmo?

Minha barba denuncia quanto tempo meu corpo não vê água. Quem se importa quando nem mesmo eu me interesso por mim? Quem vai?

Ouço batidas na porta. Ela cansou de encarar o vermelho no celular. Quando eu corro, esqueço que ela não fuma e me alcança mais rápido que eu mesmo. Me achou antes de mim. Não para de bater na porta, sabe que eu só me fodo sozinho. Que me proteger. Coitada. Não tem como me proteger de mim mesmo.

Vai senta ai, faz um brinde com esse teu café gelado, de quem não viveu a vida, não foi avisado e perdeu o trem. Vai, finge que a tua vida é boa. Eu não finjo, eu só vivo. Se é boa ou não, foda-se.

Ela insiste. Ouço choro, silencioso, mas choro. Odeio quando ela chora. Ela sempre acaba comigo assim. Sento desse lado da porta, suspiro e digo que eu to bem. Nos pormenores eu to bem mesmo, só depende do ponto de vista. Não quero que ela me veja assim, fodido. Eu to sempre assim, esse sou eu. Acendo mais um cigarro. Logo, logo eles acabam e com eles minha sanidade desce pelo ralo.

A lua está amarela hoje. Ou sou eu que ando vendo tudo meio amarelado? Eu fico com medo. Das minhas próprias conclusões.

O vinho continua caído no tapete. Já nem sei quanto tempo faz. Só sei que não ouço mais choro, já não ouço mais nada. E não abro a porta pra conferir.

Amor não é comigo, ele não se dá bem comigo e nem gosta de mim, de jeito nenhum. Só o Jack me ama. O Jack e o Marlboro. Só os dois. E isso não inclui o reflexo no espelho. Esse sim me odeia. Uma hora para de olhar pra mim. Ai eu quero ver.

E eu juro que já vi a lua apagar.

Tchau sanidade, desceu pelo ralo.

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